diciembre-enero 2023, AÑO 22, Nº 90
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(Roma, de 4 a 9 de fevereiro)
Paro estatelado diante da Anunciação de Cortona, do padre Giovanni Angelico da Fiesole, ou Guido di Pietro, conhecido como o beato Angelico, da ordem dos frades pregadores, exposto, por empréstimo do Museo Diocesano del Capitolo da cidade toscana de Cortona, na galeria Borghese, onde está a coleção do cardeal Scipione. Não consigo explicar a mim mesmo a emoção que provoca esse quadro que traduz em imagem o episódio contado pelo evangelista Lucas, capítulo I, versículos 26-38. Sempre tive uma aversão ao cristianismo embora desde adolescente ficasse comovido com as cantatas de Bach; minha explicação então era que não importava muito o que os cantores estavam dizendo em alemão e sim a majestosa e sublime música de Bach e como prova havia a deliciosa cantata profana sobre a moda do café na Alemanha. Mas o que fazer diante de um quadro? Vale lembrar que como adolescente achava horrível a pintura com temas religiosos, mas não só: achava horrível tudo que não fosse arte moderna. Tive que envelhecer para ir voltando e me deliciando com a pintura do século XIX (realistas, românticos), do XVIII (que humor delicioso em Fragonard, em Chardin, um humor que encontrava também em Mozart) até chegar ao Renascimento. Tive que entrar, desconfiado, na capela Sistina, para me render a Michelangelo. Enfim, ali estava diante da Anunciação, colocado no centro de uma das salas da Galleria Borghese. O que havia ali naquela coisa que mexia comigo? Um pequeno ensaio de Jean Luc Nancy, Visitation (de la peinture chrétienne) me ajuda a pensar sobre a questão. O que é a pintura cristã?, se pergunta Nancy pra responder logo em seguida que, certamente, não é a representação de lendas, mitos ou histórias cristãs: “A pintura cristã não é uma representação de motivos cristãos. Ao contrário, é o cristianismo, ou qualquer coisa do cristianismo, em pintura ou como pintura que faz pintura.”
Mas a Itália não é somente a pintura do Renascimento. Das livrarias trouxe um livro de Roberto Saviano, Vieni via con me (publicado no Brasil como A máquina da lama), e outro de Carlo Lucarelli, Navi a perdere. Ambos me contam de uma outra Itália, o país do crime organizado, da máfia, da Camorra, da Cosa Nostra, da ‘ndrangheta, aquilo que Saviano, autor de Gomorra, livro que denuncia as atividades da Camorra, chama de “la notte di questo Paese”. O que me chama a atenção nos dois livros é a atuação da máfia no (contra o) meio ambiente. Segundo ele, os resíduos ilegais geridos pela máfia formariam uma montanha de 15.600 metros; esse lixo tóxico cerca a cidade de Nápoles, onde nasceu o escritor, e está espalhado por toda parte. Sucesso na televisão italiana, com uma audiência de mais de 10 milhões de espectadores, Vieni via con me nos mostra a cara de uma Itália constrangida pela ação das organizações criminosas que, além do tráfico de armas e de drogas, que além de injetar dinheiro nos bancos ameaçados pela crise de 2008, produzem lucros gigantescos contaminando o campo e o mar com lixo tóxico. É impressionante saber que na Campania, província que tem Nápoles como capital, uma estrada que serve como via de fuga no caso de erupção do Vesúvio foi construída com asfalto misturado com amianto. Ou que em Crotone, na Calábria, a polícia descobriu em 2008 que havia arsênico, zinco, chumbo e outros elementos tóxicos misturado ao material de construção de casas populares, estradas e pontes. Lucarelli conta uma história não menos sombria, a dos navios carregados de rejeitos tóxicos que são afundados no Mediterrâneo com suas cargas tóxicas.
Passeando pelas ruas labirínticas do centro de Roma, penso em como essas duas coisas podem coexistir nesse país tão lindo: a arquitetura, os quadros, as esculturas dos mestres, as igrejas, todo o charme dessa terra que atraiu tantos viajantes, ao lado da barbárie que vai varrendo pra baixo do tapete essa sujeira tóxica que compromete a vida das gerações por vir. No Brasil, há uma voz pessimista e reacionária que repete com a mídia que as coisas extraordinariamente ruins só acontecem em nosso país. Viajando a gente aprende que há um pouco de “Brasil” em muitos lugares.
(Actualización julio – agosto 2013/ BazarAmericano)