diciembre-enero 2023, AÑO 22, Nº 90

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Colaboran en este número

Matías Moscardi
/  Osvaldo Aguirre

Carlos Ríos
/  Ana Porrúa

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/  Antonio Carlos Santos

Julio Schvartzman
/  Federico Leguizamón

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Julieta Novelli
/  María Eugenia López

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Diseño

Antonio Carlos Santos

Diário de Viagem
Um tradutor no Baixio dos Francos
Ilha de Santa Catarina verão / outono de 2019 (Acto I da Miséria Nacional)

 

A eleição de Jair Bolsonaro foi um protesto

da população brasileira. Um protesto conduzido e

financiado pela elite brasileira e sua imprensa venal. (...)

Para a elite o que conta é a captura do orçamento

público e do Estado como seu “banco particular” para

encher o próprio bolso. A reforma da Previdência é

apenas a última máscara dessa compulsão à repetição.

Os 100 dias de um idiota no poder

Jessé Souza

 

Um idiota incomoda muita gente,

dois idiotas incomodam, incomodam

muito mais. Três idiotas incomodam

incomodam, incomodam. Quatro (...)

Canção infantil

 

Em terra de cego quem

tem um olho é Volnei

Provérbio idiota

 

 

 

Capitalismo e crime – Se com Achille Mbembe e Susan Buck-Morss, por exemplo, aprendemos que a modernidade europeia está assentada sobre o tráfico de pessoas escravizadas na África e levadas para trabalhar nas Américas, com Sidney Chalhoub vemos como “a riqueza e o poder da classe dos cafeicultores, que se tornaria símbolo maior da prosperidade imperial ao longo do Segundo Reinado, viabilizaram-se ao arrepio da lei, pela aquisição de cativos provenientes de contrabando”. A burguesia paulista, cuja riqueza estava baseada no café, junto com os produtores mineiros e fluminenses, controlou o poder desde que ajudou a derrubar a monarquia até 1930.

 

*

Isabel e a História – Em 1974, eu fazia o cursinho de vestibular em um prédio em Copacabana quase em frente ao cine Roxy. Em uma sala no 11º andar do prédio que só tinha cursos de vestibular, éramos cerca de cem alunos ouvindo e anotando o que os mestres nos ensinavam para obter uma vaga nas universidades da cidade. Entre os professores, muitos jovens em início de carreira, estava Maneco, Manoel Maurício de Albuquerque (que nasceu um ano antes de Haydée, em 1927, em Alagoas). Caçado pelo AI-5, preso e torturado, Maneco nos ditava os pontos de História do Brasil com os óculos na ponta do nariz. E se alguém falava na princesa Isabel, ele ficava puto, fazia cena. Daí em diante compreendi o papel secundário da tal Isabel e aprendi que história era outra coisa, aquilo que já me havia encantado no Colégio Rio de Janeiro, em Ipanema, não longe da Escola Pública Henrique Dodsworth.

 

*

Primeiro filme – Haydée foi ao cinema pela primeira vez (tá no Livro do Bebê) no dia 11 de junho de 1930, com a sua mãe, com a sua avó materna e com a sua tia Ivette, tendo assistido “o film cantado e synchronizado ‘Só quero um homem’ (The Painted Angel), com Billie Dove e Edmund Lowe”. Aos cinco anos “foi com Papae e Mamãe assistir o film ‘Beijos Vienenses’ (Es war einmal ein Walzer), tendo sido esta a fita que ella mais apreciou; desde esse dia ela pede sempre para ver os films vienenses”. Haydée nasceu com o cinema sonoro, Limite, de Mário Peixoto, filmado em 1930, marca o fim de uma era.

 

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Rio change – Henrique Dodsworth foi prefeito, ou melhor, interventor, no Distrito Federal, cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, durante o Estado Novo, de 1937 a 1945, a ditadura de Vargas. Formou-se em Medicina dois anos depois de Jorge de Lima, em 1916, e um ano antes em Direito. Durante sua administração foi construído, em 1938, o Jardim de Alá, meu caminho de casa, na Afrânio de Melo Franco, até a Escola Henrique Dodsworth, do outro lado do canal que liga a Lagoa Rodrigo de Freitas ao mar, em Ipanema. Íamos os três filhos e Haydée caminhando pela Ataulfo de Paiva, atravessando o canal, contornando o Jardim pela Avenida Epitácio Pessoa, até a escola, um prédio branco, bonito, com um bom pátio e uma grande escada que dava acesso às salas de aula. Antes da aula, perfilados no pátio por altura e por série cantávamos os hinos da nacionalidade: bandeira do Brasil / ninguém te manchará / seu povo varonil / isso não consentirá.

 

 

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Boca no trombone – E o Lula falou. Impressionante a força desse pernambucano teimoso que sabe o que fala. Os idiotas não.

 

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Lençóis – Localizada na Chapada Diamantina, a cidade baiana é a terra natal de Afrânio Peixoto que, no entanto, deixou-a aos 10 anos quando a família se muda para o Sul da Bahia, atraída pelo sucesso do cacau. Em 1897, se forma na Faculdade de Medicina da Bahia com a tese Epilepsia e crime, orientada por Nina Rodrigues. Em 1906, passa no concurso para professor da Faculdade de Medicina do Rio, onde iria orientar em 1914 a tese O destino higiênico do lixo no Rio de Janeiro, de Jorge de Lima. Em 1916, Afrânio publica Minha Terra e Minha Gente, “um livro sincero” de “educação cívica” escrito com “conhecimento de causa” para as crianças. No Capítulo IV, A Colonização do Brasil: trabalho escravo e trabalho livre, escreve, à página 120: “A emancipação dos escravos. Era uma raça inferior, de certo, melhor, porem, que a indígena e, no momento, a única a qual a raça branca, pouco numerosa, podia recorrer, para a conquista e posse do Brasil: devia-se-lhe, portanto, menos barbaridade no trato, mais gratidão pelos benefícios, e de vez, cessado o tráfico, abolida a escravidão, instituir-se o trabalho livre e depurar-se a gente e os costumes de quatro séculos de promiscuidade com a África”.

 

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Rio change II – Foi ainda no tempo de Henrique Dodsworth na prefeitura que a cidade sofreu outra grande transformação (a primeira foi com a abertura da Avenida Central no início do século XX) com a Avenida Presidente Vargas que resultaria da destruição de mais de 900 prédios, quatro igrejas e da Praça Onze, onde ficava a Pequena África da tia Ciata e do samba, além do bairro judeu, como se pode ler no delicioso O preto que falava iídiche, de Nei Lopes, que ganhei do Marcelo. Vão acabar com a Praça Onze, diz o samba de Herivelto Martins, gravado em 1941.

 

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Fonte quente – Maria Celina D’Araújo, doutora em Ciência Política, e Celso Castro, antropólogo, entrevistaram em 1994, o general Ernesto Geisel, presidente da ditadura de 1974 a 1979, depois do terrível Médici. No livro, publicado pela Fundação Getúlio Vargas em 1997, o general diz, ao comentar a interferência dos militares na política brasileira, que ela diminui à medida que o país se desenvolve: “Presentemente, o que há de militares no Congresso? Não contemos o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar”. Presentemente, não só o Congresso como o Governo estão cheios de militares, devemos concluir que o país se desenvolve ao contrário? E que um “mau militar” é aquele que se arvora em defender a ditadura civil-militar?

 

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O Messias e a luz – A luz do verão cega, destrói os contornos, embaça as cores. No outono, ela é mais suave, pode-se então distinguir os tons, os detalhes. De qualquer jeito, os pássaros continuam cantando.

 

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La Madelon – Entre as cartas de Haydée que me chegaram às mãos, encontrei duas tiras de papel e uma terceira meia-tira, com uma letra que ela não reconhece, onde está escrito a lápis um poema em francês. As tiras estão numeradas, 1, 2 e 3 (a meia) e escritas nos dois lados do papel. Pour le repos, le plaisir du militaire, verso que ocupa a primeira e o centro da segunda linha, abre o poema, que, depois fiquei sabendo, é uma canção militar de 1914, composta em um cabaré de Paris e adotada pelos soldados que iam pra frente de batalha. A princípio, Haydée não se lembrou, mas quando disse que era uma canção de Louis Bosquet e Camille Robert chamada La Madelon, ela se lembrou. Em uma das estrofes, La Madelon recusa o pedido de casamento de um cabo maravilhado com seu charme: et pourquoi prendrai-je un seul homme Quand j’aime tout le regiment? Não está nem assinado, nem datado. Meu avô era médico e militar.

 

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A bruxa (José)Nesta cidade do Rio, o exército atirou (82 tiros – e nem precisava tanto) contra o carro de uma família que ia a um chá de bebê, matando duas pessoas, Evaldo Rosa e Luciano Macedo. Trinta e duas pessoas foram mortas pelo exército no Rio desde 2010. Em Floripa, ilha da magia, a polícia matou Vitor Henrique Xavier Silva Santos, um jovem de 19 anos que brincava em casa, nos Ingleses, com uma arma de pressão. Baiano, Vitor veio pra ilha de Santa Catarina em 2016 onde já morava sua mãe. Seu sonho era ser militar.

 

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Etimologia – Em grego, quer dizer, um indivíduo particular, um homem privado, em oposição a um homem de Estado, cidadão plebeu, ignorante em algum ofício e, daí, homem sem educação. Em latim, pateta, parvo, tolo. O Houaiss lhe atribui os seguintes sentidos: diz-se de pessoa que carece de inteligência, de discernimento, tolo, ignorante. Vem de idios, aquilo que é próprio, particular.

 

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Racismo e lixo – Em 1914, o poeta da Negra Fulô defendeu sua tese na Faculdade de Medicina do Rio, orientado por Afrânio Peixoto. O destino higiênico do lixo no Rio de Janeiro começa afirmando que “a guerra é a grande lei natural” e que o lixo é o resultado da “batalha diária”, ou seja, os resíduos da vida doméstica. De todos os seres, de suas atividades, resultam excreções, dejetos e resíduos. Dez anos depois, em 24, ano em que meu avô se formava na Faculdade de Medicina do Rio, o poeta escreveu Formação e política racial no Brasil que seria publicado em 1934, por uma editora de extrema-direita na Alemanha nazista.

 

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No Baixio dos Idiotas – Voltamos pra casa depois do acarajé da baiana, no Rio Tavares, lá pelas 22 horas, Joca, Marina, eu e Anke. Passando pela lagoinha, já no Campeche, vemos um monte de carros da polícia militar e soldados armados. O guia idiota leva o país ao abismo sob os aplausos da classe média idiota e cega.

 

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Kriegsfibel – Há uma legenda (soldado alemão que ficou cego, em um hospital em Moscou), uma foto (aparece o rosto de um homem com a barba por fazer, um olho coberto por uma atadura, a mão segurando um cigarro) e um epigrama: “Diante de Moscou, homem, você deu a luz de seus olhos.// Oh, homem cego, agora você vai entender. // O guia idiota não vai tomar Moscou. // Se tivesse tomado, você não teria visto. Bertolt Brecht

 

(Actualización mayo-junio 2019/ BazarAmericano)

 

 




9 de julio 5769 - Mar del Plata - Buenos Aires
ISSN 2314-1646