diciembre-enero 2023, AÑO 22, Nº 90
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enquanto todas as crianças mansas
dormem
acalentadas
por Mãe-negra Noite
O mundo do menino impossível, Jorge de Lima
It’s a hard rain’s
a-gonna fall
Bob Dylan
Visão da Ilha – Uma onda sombria avança cobrindo a América Latina. No Brasil, veio chegando pelos meios, insidiosa, semeando mentiras, ódio e um conservadorismo ressentido operado cinicamente por ideólogos, pastores, empresários, juízes. Uma onda sombria e podre. Tempos de cão.
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Jorge de Lima e a questão racial – Aparece, por exemplo, citado em um artigo de Johann von Leers, doutor em Direito, na conceituada revista médica alemã (Deutsche Medizinische Wochenzeitschrift), no número de 14 de maio de 1937, intitulado “O problema da raça na literatura sul-americana” (Das Rassenproblem in der südamerikanischen Literatur): “Com razão, embora haja algum exagero, cientistas sul-americanos já haviam chamado a atenção – por exemplo, o brasileiro Jorge de Lima (Rassenbildung und Rassenpolitik in Brasilien, Leipzig, 1934) – para o processo de arianização da América do Sul”. O interessante dessa figura, Johann von Leers, é que ele pertenceu às hostes da SS, foi um importante propagandista do nazismo, professor em Jena, amigo de Goebbels e de Himmler. Em maio de 1945, foi preso em um campo na cidade de Darmstadt, Zona de Ocupação dos americanos, de onde fugiu em 1946, vivendo então com nome falso, Hans Euler, nas proximidades de Bonn, onde recebeu a visita de Ernst Jünger. Em agosto de 1950, foge para a Argentina com documentos falsos e logo arranja trabalho no semanário Der Weg, fundado em 1947, em Buenos Aires, por Eberhardt Fritsch, jornal que continuava a difundir o racismo, a negar o genocídio dos judeus, a relativizar os crimes de guerra e era lido na Alemanha e na Áustria por simpatizantes do nazismo. Com a queda de Peron e a perseguição ao jornal na Alemanha, von Leers foge para o Egito, passa a trabalhar no Departamento de Informação, se converte ao Islã e, como Omar Amin, morre no Cairo em 1965.
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Aqui e lá – Caminhando ao longo da Zeil, 15 graus, sol, domingo de manhã, com as lojas todas fechadas e pouca gente na rua, vejo quatro mendigos deitados. Ao passar, escuto a conversa em alemão, animada pelo álcool. Há cerca de um mês, estava com Joca Wolff em São Paulo. Ao entrar em um caixa eletrônico de um banco, fomos surpreendidos pela presença de um mendigo que ali dormia, envolvido em seus trapos.
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Devir branco – Rassenbildung und Rassenpolitik in Brasilien (Formação e política racial no Brasil) foi escrito, segundo algumas fontes, em 1924, e publicado 10 anos depois, na Alemanha, pela editora Adolf Klein, de Leipzig. O texto é uma pedra no caminho da obra de Jorge de Lima, no momento em que ele abandona o parnasianismo e adota o modernismo, pois defende a tese de que a população brasileira iria sofrer um processo de embranquecimento – o que Johann von Leers chamou de arianização. Que o texto tenha sido publicado um ano depois de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, quando os nazistas já estavam no poder na Alemanha é, no mínimo, incômodo. Em 1949, em um artigo escrito para A Manhã, Jorge de Lima faz um mea culpa: “de público faço um apelo a este esclarecido Mansueto Kohnen (...); auxiliar-me na correção dos enganos que cometi para que uma segunda edição de Rassenbildung und Rassenpolitik in Brasilien apareça honesta aos olhos do Senhor (...).” A segunda edição, sempre em alemão, sai em 1951, pela editora Getúlio Costa, aparentemente com poucas mudanças.
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Lá também – Falo no telefone com Lilyan, minha amiga uruguaia desde os anos 70, e ela destrói a imagem paradisíaca que no Brasil ainda temos do Uruguai. Me conta que o ódio avança rapidamente, levado por fake news distribuídas e compartilhadas nas redes sociais que agora substituem a televisão como grande meio de manipulação – é preciso reler Adorno. A onda sombria e podre se aproxima da Banda Oriental.
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Tapete amarelo – Caminho pelo Ostpark sobre uma camada de folhas amarelas. Poucos gansos, alguns patos, os corvos de sempre.
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El Sendero – Eberhard Fritsch nasceu em Buenos Aires em 1921. Filho de alemães, só visitou a terra natal dos pais em 1935, aos 14 anos, representando a Argentina no Congresso Mundial da Juventude Hitlerista, na periferia de Berlim. Em 1946, fundou a editora Dürer que publicaria então, até a queda de Perón, o jornal nazista El Sendero (Der Weg). Era próximo de Hans Ulrich Rudel, piloto condecorado na Segunda Guerra, que fugiu para a Argentina em 1948 onde iria criar uma Kameradenwerk para ajudar nazistas a sair da Europa e se estabelecer na América do Sul; e também de Willem Sasse, nazista holandês, que havia sido membro das SS. Rudel tinha contatos com Perón e com Stroessner (com a queda de Perón em 1955, se transfere para o Paraguai). Por eles passaram Josef Mengele, Adolf Eichmann e muitos outros.
Herbst – Trabalho a medida em que as folhas caem da árvore já toda amarelada em frente à janela. O chão fica coberto de folhas. Venta e chove fino.
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Vergrämung – A palavra estava lá desde o verão, quando começaram as reformas, em uma placa grande, logo depois da entrada do Ostpark, não longe do abrigo construído pela municipalidade para os sem-teto: Vergrämung der Gänse, ou seja, a expulsão dos gansos do gramado. A palavra, me diz o dicionário, provem de Gram, dor, pesar, de Groll, rancor, ressentimento, ira, Sorge, inquietação, preocupação, medo, apreensão, receio, ansiedade, e significa banir, espantar, manter distante animais selvagens. Vem da língua dos caçadores e ajuda a compreender, creio, esta definição de humano ao construir um espaço de convivência controlado, ou seja, ajuda a entender a difícil convivência dos humanos entre si e com seus outros. O texto da placa afirma primeiro que os gansos do Nilo, os gansos-bravos e os gansos do Canadá se multiplicaram nos últimos anos. Explica então os métodos de Vergrämung e termina dizendo que “você pode também cooperar: por favor, não dê comida aos bichos”, escrito em letras grandes e com um ponto de exclamação no final.
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Autor defunto – Leio Descobri que estava morto, de J. P. Cuenca que esteve em Frankfurt, em outubro, durante a Feira do Livro. Não nos conhecemos, mas deixou para mim uma dedicatória: “Um forte abraço neste momento tão duro de nosso país”.
(Actualización noviembre 2018 – febrero 2019/ BazarAmericano)