diciembre-enero 2023, AÑO 22, Nº 90
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“A cidade me impressiona enormemente.
A morada do spiritus mundi.”
Jünger na chegada ao Rio, 20/11/1936
“Pensei num conto deixado na gaveta,
sapecado, cheio de abundantes
minúcias exasperadoras”
Graciliano, Memórias do Cárcere
“E só o papagaio no silêncio do
Uraricoera preservara do esquecimento
os casos e a fala desaparecida”
Mário de Andrade, Macunaíma
Viagem atlântica – O Monte Rosa deixa o porto de Hamburgo no dia 20 de outubro de 1936. O navio fazia parte de uma série, “Monte-Klasse”, de cinco navios a vapor de passageiros construídos entre 1924 e 1930 pela empresa Werft Blohm & Voss para a Hamburg Süd. Seu destino era o Brasil, com paradas nas ilhas dos Açores, em Belém do Pará, Recife, Santos, Rio de Janeiro, Salvador, ilhas Canárias, Casablanca e Hamburgo. Uma volta de dois meses. A bordo, Ernst Jünger escreve em seu diário (Atlantische Fahrt): “cerca de três e meia o ‘Monte Rosa’ deixa o terminal Überseebrücke”. Nesse ano em que Graciliano Ramos estava preso no Recife, no Rio, na Ilha Grande, experiência que iria resultar dez anos depois nas Memórias do Cárcere, e o aluno de Simmel Georg Lukacs publicava Narrar ou descrever, Jünger, já conhecido pelo diário da I Guerra Mundial, Tempestades de aço (1920), e pela atuação no debate público da República de Weimar até a tomada de poder pelos nazistas, põe os pés no Brasil e se encanta. Era botânico e zoólogo e um mestre da descriptio.
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Chuva de rosas – A canção Für mich soll’s rote Rosen regnen, de Hildegard Knef (28/10/1925 – 1/2/2002), aparece em 1968 e se torna imediatamente um sucesso, nessa Alemanha que se esforça para esquecer a guerra e desfrutar as benesses do desenvolvimento econômico possibilitado pelo dinheiro americano e pela Guerra Fria. Composta de uma parte meio falada (“Aos 16 anos, já dizia, eu quero, quero ser grande, quero conquistar, ser feliz, nunca mentir (...) quero tudo ou nada”) e uma valsa bem acentuada (“por mim, devia chover rosas vermelhas”), a canção me pegou desde a primeira escuta em Frankfurt, no inverno de 2016/17, no pequeno apartamento em Sachsenhausen, esquina da Gartenstrasse com a Schweizerstrasse. Me custou um pouco transformar em música essa primeira parte meio falada (quase um recitativo), mas a repetição, mãe de todos vícios e de todas as virtudes, me ajudou a encontrar um jeito de cantá-la. Não conhecia Hildegard Knef, nada sabia sobre sua carreira no cinema (na Alemanha, mas também em Hollywood, na França e na Inglaterra), sobre suas canções, os livros. Correndo atrás na Internet das montagens da Ópera dos Três Vinténs, achei o filme de Wolfgand Staudte, de 1963, com Hildegard no papel de Jenny e Sammy Davis Jr cantando a apresentação de Mackie Messer. O filme é ruim (bem pior, poderia dizer, que o de Pabst), mas Hildegard está linda.
O narrador – Currr-pac, papac! Currr-pac, papac!...
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O cá e o lá – “À tarde cruzando a cidade de ponta a ponta. A propósito, essa atividade, o ritmo europeu ou norte-americano que o estrangeiro traz consigo, é a causa de muitas enfermidades. São alertas com os quais o clima recebe o recém-chegado. Mas, como ouço dizer, a gente logo se acostuma a um enorme bem-estar e indolência no levar a vida; diminui também o ímpeto mental. Decai, então, a inclinação à leitura. À mudança do clima anímico corresponde a mudança do clima corporal – principalmente muda a constituição do sangue. Certamente se desenvolvem então formas de vida agradáveis de alta vitalidade, com menor atividade mental. Os prazeres devem chegar, se apresentar, não se pode ir atrás deles. Talvez o grande estilo nessas coisas tenha sido perdido com o fim da escravidão, mas muito ainda se conserva; acho que pressenti isso quando, caminhando ao longo da praia, observava as pequenas vilas em estilo barroco californiano.” (Atlantische Fahrt, 17 de novembro de 1936, em Santos)
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Da Da Da – Procurava outra coisa, o livro com as suítes alaúde de Bach, mas acabei encontrando um papel amarelado com as letras das músicas de Stephan Remmler, perdido e esquecido desde meados dos anos 80 quando da minha primeira passagem pela Alemanha (Bad Urach, na Suábia, e Munique). Naquele tempo, o cara tinha me atraído com uma música simples, irônica e inteligente. Não tinha nenhuma informação sobre ele, apenas uma fita cassete e essas letras. Fui direto a Internet e achei montes de coisa: a canção que me encantava na época Keine Sterne in Athen, meio falada, meio cantada, Die Zeit mit dir e outras que estavam no tal cassete (Stell dir vor es geht das Licht aus). Mas também encontrei as músicas de seu tempo com o Trio, formado pelo guitarrista Kralle Krawinkel e o baterista Peter Behrens, e o sucesso mundial com a minimalista Da Da Da – ich lieb’ dich nicht, du liebst mich nicht (eu não te amo, você não me ama), composta a partir do ritmo programado de um pequeno teclado da Cassio.
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Desmontar / remontar – Ruminando a ideia de costurar três viagens ao Brasil, à América: na primeira metade do século XIX, as do pintor Johann Moritz Rugendas; no final do XIX início do XX, as de Theodor Koch-Grünberg, em 1936, ano em que começa a guerra civil na Espanha e que é lançado nos cinemas Modern Times, de Charles Chaplin, a de Ernst Jünger. Não esquecer das relações entre Theo Koch e Mário, o turista aprendiz: Macunaíma e Balança, Trombeta e Battleship, o ensaio de Candido sobre Jünger no qual o autor da Formação sugere uma relação entre a viagem ao Brasil e o romance Nos penhascos de mármore, de 1939. O ensaio de Anatol Rosenfeld. E as imagens. As fotos e os filmes de Theo Koch, as de Mário, as de Jünger (lembrar também do documentário de Cozarinsky La guerre d’un seul homme, e da leitura de Didi-Huberman dos diários de Brecht, mais imagens, Kriegsfibel) os quadros, os desenhos e as gravuras de Rugendas. Os diários: “Cheguei a Manaus em 27 de maio de 1911” (Theo Koch).
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Uma imagem que arde – No porão do Manaus (“um calhambeque muito vagabundo”), de Recife pro Rio, Graciliano amarga uma descida aos infernos. Pouco ar, um calor infernal, o fedor horrível de vômito e mijo, luz difusa e muita gente, todos prisioneiros (Chegaram do Norte 116 comunistas, diz a manchete de O Jornal no fim da viagem). Não consegue comer, fuma um cigarro depois do outro, a sede o atormenta. A imagem de um negro, não muito distante de sua rede, inteiramente nu, coçando o saco exaspera-o: “O saco escuro, repuxado a unha, alongava-se; os testículos grossos davam à porcaria o jeito de uma cabaça de gargalo fino”. Incomodado, se pergunta por que mantinha a atenção no negro nu: “E os dedos esticavam sem cessar a pelanca tisnada.” Com fome, imagina-se louco, os vultos em torno se alteram, como em alucinações, e apenas uma imagem persiste cruel: “Somente os quibas do negro permaneciam inalteráveis”. Por que o homem nu o incomodava tanto? “Quem me obrigava a fixar a atenção nelas?” ou seja na cor, na forma, na transudação, nas “minúcias ignóbeis”? por que arde?
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Rio de Janeiro – No dia 20 de novembro, o Monte Rosa adentra a Baía de Guanabara. A descrição das montanhas que surgem do mar e acompanham o navio aumentando a expectativa pela chegada à “grande cidade do sol” anunciam o acontecimento marcado pela intensidade da luz. Vem a comparação com os Fiordes da Noruega (Jünger esteve por lá em 1935 e também escreveu um diário de viagem, Myrdun), seguida da observação de que, por aqui, reinava, poderoso, Helios. Em seguida, uma visita ao Jardim Botânico, uma perambulada pela cidade, o calor, o café forte, as laranjas e os abacaxis cortados em fatias e vendidos na rua. Esse, o primeiro contato, é o dia da encenação, do ensaio geral do deslumbramento (Verzauberung), do encantamento que acontece no dia seguinte, no Alto da Boa Vista, quando, deambulando, chega a uma casa tranquila banhada pelo sol e entra no jardim. Nesse espaço destacado da mata onde reinam as plantas e as flores, acontece a Verzauberung. Jünger define in Zauberbanne liegen como estar paralisado, dormir, sonhar enquanto as potências verdadeiras se descobrem, se revelam, se expõem, balançam sobre nós como borboletas: “A proximidade com as flores nesse encantamento não é nenhuma coincidência – elas despertam nosso sentido para as plantas, nosso Dasein (Ser-aí) vegetal em meio a este mundo de signos silenciosos que é mais poderoso do que o mundo da vontade”.
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Verzauberung – Dez anos antes, a Fräulein de Mário de Andrade, se antecipando a Jünger, já havia sido tocada pelo maravilhamento na Floresta da Tijuca: “A luz delirava. (...) Se via tudo longe num halo que divinizava e afastava as coisas mais. (...) E se perdia. Os olhos dela pouco a pouco se fechavam, – cega de uma vez. A razão pouco a pouco escampou. (...) Da parte profunda do ser lhe vinham apelos vagos. (...) E o orgasmo. Adquirira enfim uma alma vegetal”. Mas como o raio que caiu duas vezes sobre Rugendas e o cavalo, novamente Fräulein se extasia quando param na Gruta da Imprensa: “A exalação acre da maresia, o cheiro dos vegetais. (...) a imponência dos céus imensos. (...) Abriu os braços. (...) Não pôde mais. O corpo arrebentou. Fräulein deu um grito”.
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E foi o deslumbramento – Outros dois momentos epifânicos: quando Battleship, personagem de Balança, Trombeta e Battleship, dá banho nas duas meninas naquele canto, à beira da cidade; e quando Rugendas, entre Mendoza e Buenos Aires, é atravessado por um raio (duas vezes) e depois arrastado pelo cavalo perdendo praticamente os traços do rosto, virado numa ferida só. Mário de Andrade esboçou a história do malandro inglês e das duas meninas pobres da periferia de São Paulo a bordo do São Salvador, em 1927, quando fazia sua viagem de turista aprendiz pela Amazônia com a Rainha do Café (Juízo Final), Mag (Balança) e Dolur (Trombeta). Johann Moritz Rugendas, que nasceu na mesma cidade de Brecht, Augsburg, na Baviera, encontrou sua verdade no pampa argentino, levado pelo filtro mágico do narrador César Aira em Un episodio en la vida del pintor viajero.
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Theo lê – Já está escuro, é inverno de um dia qualquer entre 1880 e 1890 na rua Neustadt 42, em Grünberg, Hesse, e o jovem Theo lê fascinado um exemplar da revista ilustrada Globus, com gravuras que mostram um europeu preso pelos nativos na Austrália, ou árvores enormes diante de pequenas pessoas no Oregon, EUA. Entre 1891 e 96, estuda filologia clássica na Universidade de Gieβen. Em 1898, é contratado por Hermann Meyer – doutor pela Universidade de Jena com a tese Arcos e flechas do Brasil Central – que procurava um especialista em línguas (linguística comparada) para sua segunda expedição ao Xingu. Em 1924, quando esperava em Vista Alegre, Roraima, para sua quarta expedição no Brasil (Xingu e Amazônia), morre depois de muitos dias de febre. “Um silêncio imenso dormia à beira-rio do Uraricoera”. Theo lido: em 1926, na rede em Araraquara, Mário escreve a primeira versão de Macunaíma.
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Geografia afetiva – A geografia pode ser também uma maneira de traçar um trajeto de paixões. Primeiro, fomos a Trier, na Renânia-Palatinado, a cidade mais antiga da Alemanha, fundada pelo imperador Augusto, no ano 16 a.C, por isso chamada de Augusta Treverorum (Tréveris era o nome de um dos clãs celtas que habitam a região). Ela ficava no nosso caminho, entre Frankfurt e Schwarzenholz e além do seu charme romano era a cidade natal de Karl Marx. Já Augsburg foi aparecendo em função de Rugendas e de Brecht. Augusta Vindelicorum (nomeada também em função de um clã celta, Vindeliker) foi elevada à capital da Récia pelo imperador Trajano e fica hoje no estado da Baviera, mas é a capital da região da Suábia. Wilflingen, onde ainda não estive, também fica na Suábia, mas pertence ao estado de Baden-Würtenberg. Ali, Jünger, que nasceu em Heidelberg, viveu de 1951 até 1998, quando morre pouco antes de completar 103 anos. Para seguir o mestre da descriptio é preciso ainda ir a Hannover e seus arredores, onde ele cresceu (Rehburg) e onde viveu muitos anos (Kirchhorst) e procurar as florestas da Baixa Saxônia que deram a ele a paixão pelas plantas e pelos insetos. Grünberg é uma cidade do norte de Hesse. Lá, perto da casa onde nasceu Theo Koch e ao lado do cemitério, há também um museu dedicado a seu cidadão ilustre, com seus baús, a máquina fotográfica, fotos da família. Entre as casas em estilo enxaimel, na praça central, a foto de um índio brasileiro não deixa os turistas esquecerem a aventura e a paixão do leitor Theo. Já Saarland é outro papo.
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Rio de Janeiro – Depois de uma noite de aguardente, Graciliano desperta com os gritos de que o Manaus estava entrando na Baía de Guanabara. Era 15 de março de 1936, domingo. Desce da rede e tenta chegar a alguma vigia para ver, mas todas estavam ocupadas, o que lhe obriga a acompanhar o trajeto pelo relato de terceiros. Quando finalmente consegue chegar a uma vigia o que vê não bate com a cidade que conhecera vinte anos antes: “Na terra, próxima, elevavam-se enormes blocos de cimento armado”. Alguém grita: Copacabana: “Contudo, não reconheci a velha praia, onde agora crescia a dura vegetação dos arranha-céus”.
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Phimosus infuscatus – Fim de verão, já com jeito de outono. Andando pela ilha, esbarro sempre nele: preto, cerca de 50 cm, com um bico longo e curvo de cor amarela, sempre próximo de lugares molhados. Tapicuru-de-cara-pelada, maçarico preto, maçarico do banhado, chapéu velho, frango d’água, socó preto, socó do brejo. “Maçanico, maçanico / Maçanico do banhado / Quem não dança o maçanico / não arruma namorado”.
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El tiempo pasa – No início das Caçadas Sutis (Subtile Jagden), Jünger narra sua relação com as plantas, as pedras e os bichos nos arredores da casa paterna em Rehburg, seu aprendizado. “O avô passava muitas horas em seu Herbarium, mas o tempo para tais inclinações já havia passado. A verdadeira ciência da natureza, a observação, a comparação, a ordenação e a descrição afetuosa de objetos já não era vista como uma ciência. À gostosa sensação da contemplação seguiu-se o gozo pela observação exata, detalhada e medida. (...) O pai era também um botânico mas já não tocado pelo fascínio (Bezauberung) com o qual desde Lineu a scientia amabilis havia durante séculos encantado os espíritos”.
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Tradução ou telefone sem fio – Na expedição de 1911, Theo Koch viajava com um índio arekuná, Akúli, e um taulipang, Mayuluaípu. Akúli não falava português e passava os contos tradicionais de seu povo para Theo sempre via Mayuluaípu. Já Macunaíma contou sua história para um papagaio.
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Avenida Afrânio de Melo Franco – Desde que comecei a reler Graciliano me vem à mente a imagem de Alina Paim em pé, diante da estante cheia de livros da Globo de Porto Alegre, com o cigarro sem filtro na mão e a caixa de fósforos, onde batia as cinzas. Com Dona Alina, assim eu a chamava, aprendi a refinar minha leitura e a amar “o velho B” (Beethoven) que ela ouvia bem alto no apartamento da Almirante Guilhen, no Leblon, que eu via da janela do meu quarto do apartamento 202 da Afrânio de Melo Franco 141. Eu havia voltado de uma temporada de dois anos em Campo Grande, Mato Grosso, e conheci Tereza, filha de Alina, na escola estadual Gilberto Amado, que fica em frente ao Clube do Flamengo, ali entre o Leblon e a Gávea, não longe do Jóquei Clube. Alina falava sempre do velho Graça, que havia lido e corrigido seus primeiros livros (Estrada da Liberdade, 1944, Simão Dias, 1949) e quando a conheci, no final dos anos 60, estava calada e esquecida, trabalhando como revisora de texto em uma empresa qualquer. Eram os tempos sombrios da ditadura que eu, menino de 14 anos, tinha a impressão de que nunca ia acabar. Naquela atmosfera opressiva, aprendi a ver as imagens, as pinturas com Tereza, a ouvir as sinfonias e os réquiens que me enchiam de melancolia, e a seguir curioso o entusiasmo de Alina cada vez que tinha a ideia de um livro e andava pra cima e pra baixo com folhas soltas onde anotava passagens que depois iriam compor uma história.
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A pelanca tisnada – Tisnar, me diz o Houaiss, é tornar negro, enegrecer com carvão, queimar ligeira ou superficialmente, sujar com mancha ou nódoa. Do latim vulgar titionare, sujar-se, de titio, -onis, tição, pedaço de lenha ou de carvão aceso ou meio queimado // indivíduo muito trigueiro (cuja cor é escura como o trigo maduro) ou muito sujo // (pejorativo) indivíduo negro, preto // indivíduo de má índole, ruim, perverso // diabo, demônio.
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Alle Hühnervögel dieser Welt – E Anke ficou também bezaubert à primeira vez que ouviu os pássaros de manhã no Campeche. As aracuãs, os bandos de papagaios, o bem-te-vi e o escandaloso, generoso e cheio de ginga João-de-barro. “A partir de agora amo todas as aracuãs deste mundo, mas principalmente as que pousam no telhado de sua casa, Campeche, Florianopolis”, 13 de agosto de 2015, às 5h03min.
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Alfinete de prepúcio – Como resistir à tentação? Kriegsfibel, o diário de guerra de Brecht, costurado pela Ruth vermelha, a cartilha, o ABC da Guerra, fotomontagem + epigramas. Die Fibel, sim, Lehrbuch für Anfänger, cartilha para iniciantes, mas também fivela, gancho, colchete, do latim fíbula, espécie de agulha metida no prepúcio (prega cutânea) dos atletas e dos dançarinos para os conter em castidade; fíbula laxare, soltar as rédeas X fíbula imponere, pôr freio; instrumento de unir as bordas de uma ferida, fazendo as vezes de uma atadura, laço, ligadura. E ainda, spätmittelhochdeutsche, pronúncia infantil de Bibel, Bíblia. A costura, a ardência. Muxiba tisnada.
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Fade out? – Dez capítulos depois, no 28, reaparece a imagem que arde: “Felizmente a visão obscena, o preto sem-vergonha a coçar, a repuxar as pelancas nojentas dos quibas, desaparecera. A tromba safada e lorpa sumira-se”, embora não de todo: “às vezes me aborrecia voluntariamente a procurá-la em vão”. Quibas, lorpa, tromba safada, pelanca tisnada, porcaria, cabaça de gargalo fino, a imagem insiste, arde e permanece, teimosa, diminui até desaparecer no mundo lá fora, só para aparecer e crescer na imaginação.
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Desmontar / remontar – “Quanto mais se compreende uma época, mais nos persuadimos que as imagens consideradas como a criação de tal poeta são tomadas emprestadas de outros poetas quase que sem nenhuma alteração. Todo o trabalho das escolas poéticas não é mais que a acumulação e revelação de novos procedimentos para dispor e elaborar o material verbal, e este consiste antes na disposição das imagens que na sua criação”. (Chklovski, A arte como procedimento) Ou, dito de outra maneira: “En lugar del relato, y realizando con ventaja su función, lo que debía transmitirse era el conjunto de ‘herramientas’ con el que poder reinventar, con la espontánea inocencia de la acción, lo que hubiera sucedido en el pasado.” Hipótese sobre o silêncio dos relatos que Rugendas expõe a Krause no caminho entre Mendoza e Buenos Aires (Un episodio en la vida del pintor viajero, Aira).
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Currr-pac – Com quantos paus se faz uma canoa?
Post Scriptum da Guerra ou Uma onda fascista cobre o mundo – Enquanto isso, na minha cidade do Rio militarmente ocupada, a polícia preta e pobre continua matando pretos e pobres a mando de uma elite branca assassina e cínica. Desta vez, Marielle Franco.
Dibujo Marcelo Praça
(Actualización mayo – junio 2018/ BazarAmericano)