diciembre-enero 2023, AÑO 22, Nº 90
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(Roma, de 4 a 9 de fevereiro)
Me sinto cada vez mais apegado ao Mediterrâneo – “o Mediterrâneo não é, antes de mais nada, um mar entre as montanhas?” – e talvez por isso minhas viagens têm se concentrado aí: Grécia, Itália, Croácia, Bósnia. Um ano antes havia feito, com minha filha, a Sicília, de Palermo a Catânia, de carro, depois Nápoles, paixão à primeira vista, e depois pro norte, Florença, Veneza e Milão: um mergulho na arte do renascimento, no barroco, no excesso das igrejas tomadas por pinturas, esculturas, detalhes que nos deixam zonzos, no ritmo e no som musical dessa língua que me atrai sempre mais, no charme das cidades marcadas por camadas e camadas de culturas diversas. Agora, era Roma. De um apartamento ao lado da piazza Navona, via dei Coronari, me aventuro pelos labirintos da cidade histórica, sempre errando o caminho, sob o olhar zombeteiro de minhas companheiras. Não era a primeira vez na cidade e eu tinha alguns objetivos, entre eles, claro, os livros, uma coisa que havia lido antes de sair do Brasil e que havia aguçado minha curiosidade; algo que passava por uma nova épica italiana. Anotei prudentemente alguns nomes de autores, de livros, e me chamou a atenção um coletivo de escritores de Bolonha que assinavam Wu Ming, que em chinês mandarim significa sem nome, ou cinco nomes, dependendo de como se pronuncia a primeira palavra, explicam eles em seu site na internet. Comprei Asce di guerra, escrito com Vitaliano Ravagli, veterano da guerra da Indochina, filho de partigiano que, desiludido com os destinos da Itália no pós-guerra, embarca pra lutar ao lado dos comunistas contra os franceses e, posteriormente, os americanos. O livro é definido como objeto narrativo e conduzido por um personagem advogado, cujo avô havia lutado também contra as brigadas fascistas e o exército alemão no fim da II Guerra Mundial, que vai reconstituindo essa história ainda não contada. Há trechos da biografia de Ravagli, trechos de análise e pesquisa sobre o Laos, o Vietnam e o Cambodja, trechos sobre a situação política dos partigiani após a II Guerra, quando os fascistas foram anistiados e eles perseguidos e processados. Embalado por essa primeira leitura, comprei também 54 que, de volta ao Brasil, descobri que tinha sido traduzido para o português. Em 54, descubro essa veia popular ressaltada no Memorandum escrito e debatido por um dos Wu Ming em 2008, em um seminário sobre literatura italiana contemporânea na McGuill University, de Montreal.
Muita coisa me atraía nesse coletivo de escritores: o copyleft, como uma maneira de deixar seus textos circular entre as pessoas que não procuram tirar lucro deles, o terrorismo mediático, uma estratégia para envenenar a credibilidade (?) dos meios de comunicação hegemônicos, uma maneira de escrever que une a complexidade narrativa (vários pontos de vista, discurso indireto livre etc) com uma veia popular, um certo prazer de contar uma história que, como em 54, reúne em uma ilha na Croácia o ator Cary Grant e o marechal Tito em torno de uma ideia maluca do serviço de inteligência britânico de contra-atacar o avanço ideológico soviético no mundo ocidental com a arma mais poderosa do século XX: o cinema. Nem tão maluca assim, aliás. Em Asce di guerra, no capítulo 51, intitulado “Bologna 30 aprile 2000”, um dos narradores fala da guerra do Vietnam e dos filmes que os americanos fizeram depois da, para eles, inexplicável derrota: “Excluída a obra prima de Francis Ford Coppola (que tem uma base literária respeitável), nunca pude suportar os filmes sobre o Vietnam. Porque não são filmes sobre o Vietnam, mesmo se assim são chamados. São filmes sobre o drama dos ‘bravos rapazes americanos’ chamados a defender uma causa em que ninguém acreditava e a fazer uma guerra que perderam. / É justamente esse o ponto. Enquanto passam os créditos no fim, temos sempre a mesma sensação: se eles tivessem vencido, ninguém teria feito um filme sobre os horrores daquele conflito. Mas perderam, e com ignomínia, ergo aquela guerra foi um erro. Ergo Oliver Stone pode fazer todos os filmes que quiser. / Não existem filmes que contam o conflito a partir do outro lado. Jovens adolescentes que combatiam para libertar seu país do imperialismo yankee. O Vietnam existe só porque os americanos perderam uma guerra. A única guerra que jamais perderam. / Na grande narrativa hollywoodiana há apenas dois papéis: os “maus”, isto é, as cabeças que estão por trás, os políticos, os generais; e os “bons”, as vítimas, os jovens americanos convocados com a cabeça feita pela propaganda. / A verdade é que perderam, e o fato de que os cálculos militares tenham se mostrado errados e as mentiras dos políticos tenham tido tal resultado é a consequência daquela derrota e não a causa. / Os vencidos compensam a derrota narrando-a como própria, não como vitória de um outro. (...) Nos filmes de Hollywood o “inimigo” não existe, é um espectro, uma projeção do imaginário coletivo.”
Perdido nas ruas do centro histórico de Roma à procura da via del Coronari, entrando e saindo várias vezes da Piazza Navona onde está a embaixada brasileira – belíssimo Palazzo Pamphilj, residência de Giovanni Battista Pamphilj, papa em 1644 com o nome de Inocêncio X – , pensava na epígrafe de 54, não há nenhum pós-guerra. Aqui, só se fala na crise, nas eleições, nos cortes “necessários” impostos pelas regras que, antes, os FMIs da vida nos faziam engolir. E a crise é visível no abandono de alguns prédios históricos como, por exemplo, a Galeria Doria-Pamphilj, na via del Corso, onde se pode ver o Retrato de Inocêncio X, de Velázquez, que teria, 300 anos depois, uma versão fantasmática de Francis Bacon. Antes de deixar Roma, ainda ouviria no rádio do táxi que nos levava a Fiumicino que o papa alemão havia renunciado.
(Actualización mayo – junio 2013/ BazarAmericano)