diciembre-enero 2023, AÑO 22, Nº 90
Editora
Consejo editor
Columnistas
Colaboran en este número
Curador de Galerías
Diseño
(Bósnia, fevereiro)
“Depois de viajar nove milhas, parou em um desfiladeiro acima de Klis olhando para a terra selvagem e árida que se abria a sua frente e para o penhasco cinzento salpicado por uma vegetação escassa e sem brilho. Vindo do lado bósnio, sentiu o cheiro do silêncio de um mundo novo até aqui desconhecido. O jovem estremeceu, mais por causa do silêncio e da força da paisagem do que pela brisa fresca que vinha do desfiladeiro. Puxou a capa por sobre os ombros, agarrou-se mais ao cavalo e entrou naquele mundo novo de silêncio e incerteza. Podia-se sentir a Bósnia, um lugar taciturno, e também, no ar, um sofrimento gelado sem palavras ou razão evidente.” Assim descreve o narrador de The days of the consuls a chegada do jovem secretário e intérprete do cônsul francês, Amédée Chaumette Des Fossés, a esse mesmo país em que agora eu entrava, de ônibus, a partir de Dubrovnik, com minha filha Clara e uma amiga. O livro de Ivo Andric (1892-1975) dava o tom daquela paisagem de montanhas, vales, muita neve e chuva que nos acompanhou até Mostar e, depois, Sarajevo. A versão que tinha nas mãos havia sido traduzida em abril de 1986 por Celia Hawkesworth com a ajuda de Bogdan Rakic, em Sarajevo, onde Andric havia escrito o romance sobre a chegada dos cônsules da França e da Áustria, no início do século XIX, a Travnik, cidade da Bósnia-Herzegovina situada então nas fronteiras do império otomano. No prefácio, datado de julho de 1992, a tradutora lembra que o livro havia sido escrito em meio à miséria e à tragédia da Segunda Guerra e que sua própria tradução estava sendo preparada quando Sarajevo era assaltada novamente por uma violência sem sentido. Vale lembrar que a tradução estava sendo feita no apartamento de Bogdan Rakic, em Sarajevo, ao mesmo tempo em que acontecia o acidente no reator 4 de Chernóbil, na Ucrânia.
A tradução de Celia Hakesworth não era a primeira. Kenneth Johnstone fez a primeira versão em 1958 com o título de Bosnian Story; em 1963, John Hitrec retraduz o texto de Andric sob o nome de Bosnian Chronicle. O romance explora os conflitos entre o povo da cidade de Travnik, onde aliás nasceu o autor, e os dois cônsules, na época representantes de duas potências inimigas, a França revolucionária de Napoleão e a Áustria aristocrática, ainda amarrada a um mundo que começava a se desfazer. Andric foi diplomata durante muitos anos (seu último posto foi na Berlim nazista, de onde se retirou para se manter isolado, em prisão domiciliar, em Belgrado) e entre suas andanças na Europa esteve em Portugal.
Inverno de 2014
Paris – Muita gente. Multidões. Confit du canard, formule, 14 euros. Leio Houellebecq, que pessimismo! Em Anti-matter, Michel Houellebecq and depressive realism, Ben Jeffrey destaca a importância do escritor francês em um cenário pobre de literatura”(...) and has sustained critical and popular attention during a decade and a half in which the number of writers to emerge from Europe with any sense of importance is next to zero”. Havia rejeitado sua prosa em 2000 quando o li pela primeira vez em New Haven, EUA.
Londres – Metrô, ou the tube, como dizem os londrinos, até Finnchley Road. Na estação, pergunto ao homem na loja de jornais e revistas por Maresfield Gardens: “Just behind the blocks”, apontando para os prédios em frente à estação. Na saída, encontro a seta com a informação: Casa de Freud. Havia estado aqui na primeira viagem à Europa, em 1985, antes de Clara nascer. Fui reconhecendo a rua central, Finnchley Road, a passagem em aclive para Maresfield Gardens, a rua com suas casas de tijolo, a casa onde morou Sigmund Freud nos últimos anos de vida (de junho de 1938 a 23 de setembro de 1939), e a casa do lado direito onde fiquei uma semana em novembro de 85.
Amsterdam – Perambulando por ruas e canais, essa cidade de beleza sóbria, contida, desfila diante de mim como uma paisagem só: os canais que se repetem com seus prédios tortos, todos do mesmo tamanho, as cores semelhantes e discretas, achatadas pelo inverno. Uma coisa chama a atenção à noite: as janelas iluminadas e sem cortinas se abrem à curiosidade alheia, se mostram sem pudor, organizadas, limpas e, geralmente, vazias. O que a transparência deixa visível é o vazio. O mesmo vazio que havia sentido nos anos 80 diante das mulheres expostas nas vitrines. Mas a verdade é que agora Amsterdam me agrada, não sei porque. Leio “The embarrassement of the riches”, de Simon Shama, para conhecer melhor a história, afinal eu já estava cativado pela pintura holandesa, a história dessa identidade construída contra o mar, na luta para ganhar território do mar. E no entanto a cidade se mexe, preferencialmente sobre duas rodas. Movimentam-se as mães com crianças e compras, estudantes, turistas.
(Actualización noviembre 2014 – febrero 2015/ BazarAmericano)